domingo, 27 de outubro de 2013

Les amants du Pont-Neuf



Dias depois de ver Mauvais Sang, tive a feliz surpresa de ver Les amants du Pont-Neuf na festa do cinema francês, com a minha querida amiga e companheira Rita, que chorou e se assoou todo o tempo. Eu não chorei. Talvez por ela ter chorado pelas duas, talvez por eu ter chorado mais que a conta no Like someone in love.
Eu fiquei boa parte do tempo a achar que o filme ia acabar a qualquer momento. Porque podia ter terminado muito antes e seria igualmente extraordinário. Mas Carax leva-o à exaustão, num tour de force de performances espantoso, sem o qual podia cair no abismo. Depois do absoluto realismo das primeiras cenas num abrigo para quem não o tem, alterna entre uma mise-en-scène sabiamente controlada, com cenas bastante longas, e uma explosão de cores, sons e movimentos de câmara arrojados e delirantes, num hino ao amor desmedido e louco.
Alex encontra Michèle a dormir nos seus aposentos. Ela aparece-lhe como uma dádiva, da qual ele decide fazer o sentido da sua vida. Passam a depender um do outro: ele ajuda-a a caminhar por Paris, servindo-lhe de bengala, ela oferece-lhe companhia à noite, ajudando-o a passar as suas insónias. O amor é assim uma necessidade, algo a que se agarram para sobreviver. A relação é tão degradada como a ponte em que vivem, uma fortaleza em colapso físico e existencial. São egoístas, obsessivos e maquiavélicos. Alex faz tudo para que Michèle não consiga contactar a sua antiga paixão, põe o dinheiro que roubaram a jeito para que ela o derrube sobre o rio - com medo de a perder se saírem daquela ponte - e pega fogo aos cartazes espalhados pela cidade, preferindo que ela cegue a que se seja operada, porque só em condições extremas o seu amor é válido.
Ele é prisioneiro da ponte, ela é uma turista à procura de um escape. Quando finalmente o encontra, não tem problemas em drogar Alex e partir, deixando-lhe uma nota bastante desagradável sobre o leito do seu amor. 
O tempo passa e Michèle vai ao encontro de Alex. Percebemos que está com o médico que a operou, mas não consegue fugir ao fascínio que Alex e a vida que tiveram juntos despertam nela. O perigo, a ansiedade, o amor sem regras, cego e desmesurado. Quando se encontram no natal não há possibilidade de ficarem juntos porque a ponte (como eles) não é a mesma, não é já deles, é agora firme e aberta ao mundo. Ao perceber que não pode ficar com Michèle, Alex atira-os ao rio porque é preferível uma morte à morte do amor. São salvos por um barco (homenagem a L’Atalante e espécie de pré-Titanic), desta vez uma superfície em movimento que os transporta para longe daquele lugar sem nada para lhes oferecer. Decidem partir juntos numa nova aventura, renunciando à vida “normal” que tinham conseguido para si mesmos. Serão sempre os marginalizados lovers on the run que se deixam conduzir por paixões obsessivas, tão prazerosas como sofridas.

Sem comentários:

Enviar um comentário