quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Oslo, 31. august, Joachim Trier



Segunda longa-metragem do realizador norueguês, depois da sua estreia, em 2006, com Reprise – que já contava com o actor Anders Danielsen Lie – esteve em competição no Lisbon & Estoril Film Festival’11.
Trabalho sobre a (im)possibilidade da escolha, sobre o arrependimento e a (in)capacidade de nos relacionarmos com segundos, sem os desiludir.
Anders é um ex-toxicodependente com demasiado tempo e poucas ambições. Dada a sua disponibilidade e amabilidade, escuta aqueles com quem se cruza, porque sente já não ter nada para contar. O som está tão magistralmente trabalhado que quase parece que ouvimos com os seus ouvidos, como quando escuta conversas separadas num café ou quando sai para a rua e, em vez de ouvirmos os carros que cruzam a estrada, continuamos absortos no seu mundo interior, que transporta demasiados pensamentos para se concentrar no meio ambiente.
O tema é pesado, mas os planos são belos, limpos, dotados de uma fotografia exemplar que nos acaricia o desconforto. Mesmo o último plano, apesar de dramático, contém uma certa dose de poesia.
Há também espaço para os pequenos gestos. Os primeiros vinte minutos são dedicados à longa conversa que tem com o amigo, com piadas sobre Proust à mistura, onde percebemos a intenção do personagem, para onde o filme caminha, mas isso é de menor importância, pois o que conta não é o destino, mas a viagem.
30 de Agosto é o dia em que Anders se despede da sua cidade e dos seus amigos, recorda conversas de outros tempos, e de algum modo responsabiliza os pais pela sua situação. O dia seguinte é aquele em que vê o sol nascer e lhe sorri, toca piano e se entrega ao seu mundo interior. A câmara mostra-nos os lugares que visitou no dia anterior, a vida que continua para além das pessoas que partem.
Anders Danielsen Lie protagoniza o filme notavelmente, sempre de cara crispada, deixando escapar sorrisos desmaiados em algumas ocasiões, como quando vai à pendura na bicicleta, numa das cenas mais belas do filme. O seu personagem é um desistente, recordando ao amigo o que este uma vez lhe disse: “Aqueles que se querem auto-destruir não devem ser impedidos pela sociedade”. Ninguém quer que Anders parta, mas ninguém acredita na sua recuperação. A irmã está tão amedrontada com a sua saída da clínica de desintoxicação que nem consegue encontrar-se com ele, mandando a namorada no seu lugar. Os pais estão em Nice a passear. O amigo diz-lhe para se encontrarem numa festa, na qual nunca aparece. Todos esperam, envergonhados, o dia em que a espera termine. É por isso que não o conseguem encarar. Porque não é só o fado que é trágico. A ignorância e a possibilidade de escolha também não são pêra doce.

sábado, 18 de agosto de 2012

The Future, Miranda July




Have you ever been outside?

Um casal na casa dos 30 vive num apartamento colorido e caótico, cada qual agarrado ao respectivo macbook, quando decide adoptar um gato a quem só resta meio ano de vida. Os dois parecem certos de que será um grande feito dar parte das suas vidas a um animal indefeso que deles precisa para sobreviver – e de quem eles precisam para se sentirem grandes. Só que, afinal, com algum jeitinho, o gato pode durar uns bons 5 anos aos seus cuidados, e aí a coisa começa a pesar-lhes. Vejamos: quando o gato morresse, já teriam 40 e já nada poderiam fazer com as suas vidas, porque dos 40 aos 50 é um dia e depois dos 50 acabou. Por sorte, o felino está nos cuidados intensivos e lá terá de permanecer por um mês. É então que o casal decide largar os empregos e fazer algo com propósito e significado durante os 30 dias de liberdade, porque, está mesmo a ver-se, o gato vai ser um fardo, assim mais ou menos como um filho. A ideia era ser uma espécie de preparação para o próximo nível – o filho, entenda-se – mas 5 anos – e tendo em conta que depois dos 50 não há nada a fazer – é um tempo consideravelmente longo.
Sophie (Miranda July), professora de dança para crianças, está obcecada com o sucesso que o vídeo de uma colega fez no youtube, e o objectivo de vida dela – sendo a vida esses 30 dias – é gravar uma coreografia por dia e pô-la online, de modo a ser reconhecida. Claro que a sua obsessão com o vídeo da outra e o seu estilo totalmente distinto, atrofia-a, frustra-a e impossibilita-a de levar o projecto avante. Necessitando estabelecer contacto com alguém, envolve-se com um desconhecido que até não se importava de partilhar a vida com ela, e Sophie responde-lhe: “If you watched me all the time I wouldn’t have to do anything”. Ou seja, atingido o objectivo, perde-se o encanto. Só não o alcançando se continua na estrada, a desbravar terreno.
Sophie falha completamente na sua descoberta. Não a vemos crescer, nem iluminar-se, nem mudar de atitude, nem conseguir o que queria, que não sabemos o que é, porque ela também não. É uma mulher perdida na inércia, com o relógio biológico a dar horas e com a força e o medo do instinto maternal a bater-lhe à porta. Em casa sentia-se protegida, sem grandes distracções ou atracções, mas agora, fora do seu forte, descobre uma parte adormecida dentro de si - a selvagem: “I have to tell you something. One thing is that I’m wild.” Tudo o que faz é irresponsável, despropositado e em nada preenchedor, mas, no final, arca com as consequências e, pelo menos, fica a saber o que não quer.
Jason (Hamish Linklater), por seu turno, é um pouco mais altruísta nas suas escolhas, escolhas que advêm de uma premissa maior: o estar atento e alerta para o que o mundo tem para lhe oferecer e que ele lhe pode devolver. Rompendo com o seu emprego de apoio técnico informático, junta-se a uma organização ambientalista e vai de porta em porta tentar vender árvores. Não é, no entanto, em nenhuma dessas portas que encontra uma ligação, mas sim na porta onde vai comprar um secador para Sophie, onde faz um amigo com quem almoça e escuta, enquanto a namorada está com o amante e dá por si escondida dentro da sua camisola protectora, incapaz de compreender e dominar as entranhas.
A grande revelação de Jason acontece quando pede a Sophie para se calar, no momento em que esta se prepara para dizer algo que vai mudar o rumo das suas vidas. Com a entrega e aprendizagem a que Jason se submeteu durante o mês, consegue parar o tempo para reflectir sozinho. Mas o seu amigo – a lua – está a olhar por ele e ajuda-o a descobrir dentro de si a aceitação. Quando Jason restabelece o compasso do tempo, os dias passaram, só ele é que os perdeu. A vida para além dele continuou o seu caminho. Jason nunca chega a escutar o que Sophie tinha para lhe dizer, assim como Paw-Paw, o gato, nunca é resgatado pela família de acolhimento, porque os seus ‘pais’ estavam demasiado ocupados a gastar os últimos cartuxos antes de o terem a prendê-los. Mas Paw-Paw também encontra a aceitação e leva-nos a meditar sobre a mortalidade e a eternidade: “Living is just the beginning”.
Sophie e Jason não mais encontram o caminho de casa - “This is a totally new land now” – mas podem ter encontrado o seu próprio caminho. Não chegam à meta que estabeleceram – Paw-Paw - mas talvez essa meta não lhes estivesse destinada. E quem sabe o buraco que Gabriella cava é o fosso cada vez maior entre Sophie e Jason, ou a cova de Paw-Paw ou o buraco do Universo, onde todos mergulhamos um dia.
The Future é um excelente exercício sobre o pânico dos trintões que estudaram para ter um emprego satisfatório, mas os anos passam e esse dia não chega, e então há que se conformar com o que se tem e pensar em constituir família ou mandar tudo à fava e fazer umas quanta loucuras, enquanto ainda há tempo.
Outra característica curiosa prende-se com as semelhanças físicas entre Sophie e Jason, com os seus cabelos encaracolados, reflectindo sobre a possibilidade de pessoas que partilham o mesmo espaço durante muito tempo se começarem a parecer – e a perder a individualidade.
O mundo de July é muito particular e não costuma ser recebido com meias medidas: ou se gosta muito ou não se gosta nada. Mas até os haters conseguem distanciar-se e dar-lhe, pelo menos, o mérito de criar uma atmosfera própria para personagens singulares com uma pitada de magia e fantástico que pode ir desde uma camisola com vida própria, um gato e uma lua que falam ou poderes sobre o tempo.
July segue assim o traço de realizadores como Wes Anderson ou Noah Baumbach. É difícil ficar indiferente a qualquer um deles.