sábado, 12 de maio de 2012

O monte dos vendavais



Todos nós conhecemos a história clássica de Cathy e Heathcliff, do romance de Emily Bronte, publicado em 1847, ou quanto mais não seja da música da Kate Bush - How could you leave me when I needed to possess you? I hated you, I loved you too. Arnold filma a paixão entre os dois irmãos emprestados através dos instintos mais básicos e primitivos do ser humano. Os dois jovens lutam, despem-se, tocam-se, esfregam-se, olham-se, cheiram-se, e não trocam uma palavra porque o seu entendimento vem de algo anterior, apenas existente no plano sensorial. Eles são o mundo que os envolve - os cavalos velozes, o vento, a chuva, o sol, as penas, os frutos - e a tempestade que assola o monte diariamente é a que corre nos seus corpos. A câmara de Arnold segue os personagens, anda atrás deles e deixa que sintamos o seu cheiro, porque é assim que eles se reconhecem, como animais selvagens. Quase não existe banda sonora, a não ser as músicas tradicionais que Cathy canta, o vendaval e a balada dos amantes renegados, no fim, composta pelos Mumford & Sons, que se intitula, exactamente, The Enemy. Heathcliff chega ali como um estrangeiro e é olhado com um misto de atracção e repulsa. As sensações que a sua presença despoleta instalam a desordem, e um caos fundamental abate-se sobre aquele lugar, fazendo com que todos se tornem escravos uns dos outros e de si próprios. Não há salvação possível porque todos são cúmplices do pecado primordial que o rapaz negro representa. Ele é o adversário e o fruto proibido. Assim, um a um, pagam a rejeição: primeiro o pai, depois o filho, Cathy e finalmente Heathcliff, o fantasma que lá permanece a agonizar. 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Aos crocodilos mete-se-lhes um pau na boca




Tabu é o monte de uma colónia portuguesa em África, no principio dos anos 60. Lá se instalaram jovens ricos e aventureiros que se divertem com corridas de automóveis, caçadas, bailes e festas. O amanhã é coisa que não lhes tira o sono, até que uma barriga começa a crescer - e com ela o peso de um amor ilícito – e um assassinato despoleta a revolta dos locais. Mas antes de Tabu há um prédio em Lisboa onde vivem três senhoras sozinhas que cuidam umas das outras porque na velhice não há muito que fazer. Uma delas está senil, mas é a que tem mais memórias. As outras não tiveram tempo para as construir porque passaram a vida ocupadas a tratar dos outros – uma porque era Santa e escrava, a outra porque queria ser santa e activista política. É então a velha senil, Aurora (não a de Puiu, mas a de Murnau) que as encaminha até uma floresta artificial num qualquer centro comercial onde vão escutar uma história: a sua e a do monte Tabu. É o homem que Aurora lá conheceu que a conta, enquanto nós a vemos decorrer com os sons da selva, dos carros, dos animais, dos tiros, da água, das músicas, mas sem nunca ouvirmos as palavras que os personagens trocam à nossa frente. Tudo o que temos são as memórias de Aurora – da aurora, da juventude, do paraíso - contadas pelo seu grande amor, com quem desenhava animais nas nuvens, passeava na savana e fazia amor clandestinamente. Esses foram os dias de paraíso, onde os meses passavam a voar. Depois veio a fuga, a deles e a dos retornados, dos dias que não sabem para onde ir e se arrastam sem um propósito. Mas África continuou presente na arquitectura, na decoração e na Santa que não fala porque cada macaco no seu galho. No monte Tabu os macacos andavam à solta, os crocodilos fugiam para o quintal dos vizinhos e eram tratados como filhos por quem não os podia ter. Antes a vida fazia-se de emoções pungentes e histórias exóticas. Depois cresce-se, parem-se crocodilos e crias, matam-se inocentes e escrevem-se cartas de amor que ficam por ler.